Um blog in natura

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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

OS ESTADOS DEVEM ESTRUTURAR-SE NO PADRÃO FAMILIAR


A família não é apenas o elemento primeiro de todo Estado, mas o seu elemento constitutivo, de tal modo que a sociedade regular tal como ela existe — e desde que ela não tenha contrariado as leis da natureza, como o fez a nossa França por meio da Revolução — não se compõe de indivíduos, mas de famílias. Atualmente só os indivíduos contam, e o Estado só reconhece cidadãos isolados. Isto é contrário à ordem natural. Como disse muito bem Savigny, "o Estado, uma vez formado, tem por elementos constitutivos as famílias, não os indivíduos". Antigamente era assim, e o que o demonstra de modo sensível é que os recenseamentos populacionais não contavam as pessoas, mas os "fogos", isto é, os lares. Cada lar era considerado o centro de uma família, e cada família era, dentro do Estado, uma unidade política e jurídica, tanto quanto econômica.

Buisson afirmou na Câmara dos Deputados: "O dever da Revolução é emancipar o indivíduo, a pessoa humana, célula elementar orgânica da sociedade". É bem essa, com efeito, a tarefa que a Revolução se impôs, mas que conduz a nada menos que desorganizar a sociedade e dissolvê-la. O indivíduo é apenas um elemento dentro dessa célula orgânica da sociedade, que é a família. Separar os seus elementos, fazer o individualismo, é destruir-lhe a vida, é torná-la impotente para preencher seu papel na constituição do ser social, como o faria, nos seres vivos, a dissociação dos elementos da célula vegetal ou animal.

Isso era tão bem compreendido em Roma, que o Estado romano primitivo só conhecia as gentes, e para se ter uma situação legal era necessário ser membro de uma dessas corporações. Diz Flach: "O filho de família emancipado, o escravo liberto, os estrangeiros vindos a Roma à procura de asilo, deviam se submeter a um chefe de família".

Da mesma forma na França, durante a alta Idade Média: "Nenhum lugar para o homem isolado — diz o mesmo autor. Se uma família vem a decair ou a se dissolver, os elementos que a compõem devem se agregar a uma outra. Não encontrar tal asilo significa a morte". Em todos os lugares a família é, nas boas épocas da história dos povos, aquilo em que a democracia, para nossa desgraça, transformou o indivíduo: a unidade social.

Para retomar a comparação de Buisson, as células elementares do corpo social e do corpo vivo — aqui plastídeos, lá famílias — não se encontram no mesmo nível, embora igualmente saídas de uma célula primitiva. Há células primeiras, elementares, que dão origem às células do sangue e às dos tecidos. Da mesma forma na sociedade. As famílias, embora originárias de um mesmo ponto, em todo Estado civilizado se encontram em condições diversas, e divididas em três classes: o povo, a burguesia e a nobreza. A burguesia preenche na sociedade o papel do sangue no corpo humano, tendo origem no povo e nutrindo a nobreza. Contrariamente ao que deseja a democracia, sempre que o progresso moral, intelectual e material germina e se expande, as desigualdades se apresentam, se acentuam, se fixam nas famílias, e pouco a pouco constituem uma hierarquia, não de funcionários mas de casas.

Reencontramos aqui as grandes leis que Deus estabeleceu por meio da criação do homem, na sociedade primitiva, a fim de que elas continuassem a reger todas as sociedades humanas, qualquer que seja o desenvolvimento que elas adquiram.

"Se existem leis para as formigas e abelhas — diz de Bonald —, como é possível pensar que não haja leis para a sociedade humana, e que ela tenha sido abandonada aos seus próprios caprichos?" Rousseau pensou assim, e se pôs a formular para os Estados leis diferentes das que lhe deu o Criador. E os democratas, seus discípulos, esforçando-se para aplicar suas lições — e estabelecer nos Estados a igualdade, oposta à hierarquia, a liberdade, oposta à autoridade, a independência recíproca, oposta à união —, não podem senão destruí-la, e destruí-la pela base.

Se os povos são constituídos apenas de famílias vivas, e se as leis impostas por Deus à família devem ser as de toda a sociedade, é necessário aos Estados reproduzir em si algo daquele primeiro tipo. Todos os estudiosos estão de acordo sobre este ponto. "Os gregos e os romanos — diz o Pe. Fleury —, tão renomados pela sabedoria deste mundo, ensinavam a política governando as famílias. A família é uma imagem do Estado em ponto pequeno. É sempre conduzir os homens vivendo em sociedade" (Opuscules I, p. 292).

Segundo diz Jean Bodin no segundo capítulo do primeiro livro da sua obra, "a mesnage é um direito governativo de vários indivíduos, sob obediência a um chefe de família. A república é um direito governativo de várias mesnages, e do que lhes é comum, com poder soberano. É impossível que a república valha alguma coisa se as famílias, que lhe são os pilares, são mal fundadas".

Leão XIII ensina do mesmo modo: "A família é o berço da sociedade civil, e é dentro desse círculo doméstico que se prepara, em grande parte, o destino dos Estados" (Sapientiae christiana). Em outro local, afirma: "A sociedade familiar contém e fortifica os princípios e, por assim dizer, os melhores elementos da vida social. Portanto, é disso que depende em grande parte a tranqüilidade e prosperidade das nações" (Quod multum). É com razão, portanto, que de Bonald diz: "Quando as leis da sociedade dos homens são esquecidas pela sociedade política, elas se reencontram na sociedade doméstica".

Na França, a sociedade conservou até à Revolução o padrão familiar.

No século XVIII, a 17 de fevereiro de 1774, o Parlamento de Provence ainda podia escrever ao rei: "Cada comuna entre nós é uma família que governa a si própria, que estabelece para si as leis, que zela pelos seus interesses. O prefeito do município age em relação a elas como um pai".

Charles de Ribbe, que estudou com tanto cuidado as comunas do Ancien Régime, concluiu: "As localidades são organizadas em famílias, os registros municipais são semelhantes, em todos os pontos, aos livros domésticos. O lar tem seus ritos, e os têm também as localidades. A idéia de família se manifesta no mais alto grau no sistema de administração, e é mais impressionante ainda nas solenidades e recreações públicas".

A própria monarquia conservou essa mesma característica. O governo era essencialmente familiar. A mulher e o filho primogênito do rei eram estreitamente associados ao exercício do poder. O tesouro do Estado estava sob a supervisão da rainha e sob seu controle direto. O camareiro, que atualmente se chamaria ministro das finanças, era por isso seu subordinado. Da mesma forma, até nossos dias, na maior parte dos lares é a mulher que detém a chave da arca. A rainha aparece nos tratados estabelecidos com as potências estrangeiras.

Os seis grandes funcionários da coroa que assistiam o rei em todos os atos de seu poder tinham tido, em sua origem, funções domésticas muito nitidamente marcadas pelos próprios títulos de suas dignidades. O sénéchal, o connétable, o pannetier, o bouteillier, o chambrier, e o chancelier tomaram seus nomes dos diferentes serviços da casa real, e aconteceu que a residência do rei se transformou pouco a pouco em uma escola de homens de Estado.7

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7 - O sénéchal era o escudeiro trinchante. Quando se estava em guerra, ele seguia seu senhor nas expedições, e cuidava da montagem da tenda real. Na ausência do rei, ele comandava os exércitos. Essas funções se tornaram hereditárias nas casas de Rochefort e Giuerlande. Luís VI diminuiu o seu alcance, e Filipe Augusto as suprimiu.

O connétable era o conde das cavalariças, comes stabuli. Quando Filipe Augusto fez desaparecer o ofício de sénechal, o connétable se tornou o chefe do exército e o rei lhe acrescentou dois marechais. O ofício foi suprimido por Richelieu.

O pannetier supervisionava o assamento do pão. O ofício teve por titulares os maiores nomes da França, entre outros os Montmorency.

O bouteillier tinha a administração das vinhas reais, das quais geria os recursos. Teve a intendência do tesouro real e a presidência da Câmara de Contas. A partir do século XII essas funções se tornaram hereditárias na casa de la Tour. Foram suprimidas por Carlos VII.

O chambrier dirigia os serviços dos apartamentos privados. Tornou-se o tesoureiro do reino, e nessa qualidade estava sob as ordens da rainha, como dissemos. O cargo foi suprimido em 1445.

A origem do grand chancelier é religiosa, ao mesmo tempo que doméstica. Os reis merovíngeos conservavam entre suas relíquias a pequena capa de São Martinho. Daí o nome de capela, com que se denominava o lugar onde eram guardadas as relíquias dos reis. Às relíquias eram acrescentados os arquivos. O chefe dos chapelains foi o grande chanceler, portando ao pescoço constantemente o grande selo real.

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Viollet, na sua "Histoire des Constitutions de la France", definiu assim o caráter da nossa antiga monarquia: "A autoridade do rei era quase a do pai de família. Também o poder patriarcal e o poder real são, na sua origem, parentes muito próximos". Voltando ao mesmo assunto em outro local, ele repete: "É manifesto que o rei desempenha o papel de um chefe de família patriarcal".

Como o pai de família, o rei era no reino a fonte de toda justiça. Summum justitiae caput, é o modo como Fulbert de Chartres definiu o rei no século XI. Cada grupo natural, local ou profissional tinha sua organização e sua autoridade própria: a família tem seu chefe; o atelier, seu mestre; a comuna, seus magistrados; as corporações, seus síndicos; a Igreja, seus bispos. A idéia de uma regra comum estabelecida por algum poder, para o conjunto dos habitantes, teria parecido então uma monstruosidade. Cada grupo se administra a si mesmo. Mas com essas liberdades e franquias locais, é necessário manter entre esses pequenos Estados múltiplos e independentes a harmonia e a paz, e garantir o respeito aos bons costumes. Este é o papel mais importante do rei: ele é o justiceiro pacificador, o apaziguador das discórdias, o guardião das liberdades e da paz pública, que veio a chamar-se a paz do rei. Originariamente esse papel se exercia mediante grandes golpes de espada. Harnulfo chama Luís o Gordo de infatigável batalhador: "De cetro à mão, Luís pacifica, mantendo cada um no seu direito". Mas além disso o rei fazia a justiça de modo diferente, ouvindo as reclamações como um senhor aos seus vassalos, como um pai aos seus filhos.

Ele tratava as pessoas com inteira familiaridade. "Todos os dias — diz Joinville falando de São Luís — ele dava de comer a grande número de pobres, em sua própria casa, e várias vezes eu vi que ele mesmo lhes cortava o pão e lhes dava de beber". Seria erro acreditar que estes eram traços limitados em particular à magnífica bondade de São Luís. Roberto o piedoso, entre outros, agia da mesma forma. Foi uma tradição, entre nossos antigos reis, a de se mostrarem acolhedores e benfeitores, sobretudo em relação aos pequenos e humildes.8

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8 - Eis o que Francisco I, ao iniciar-se o seu reinado, escreveu no começo da ordenação de 25 de setembro de 1523:

"Aprouve a Deus chamar-nos, na flor da nossa idade, para ser um de seus principais senhores de governo e administração deste belo, nobre e digno reino de França, divina e miraculosamente instituído para a direção e proteção de todas as suas classes, especialmente para a conservação, elevação e defesa do estado comum e popular, que é a mais fraca, e por isso a mais sujeita a ser oprimida. Naturalmente esta tem maior necessidade do que todos os outros de quem a proteja e defenda, especialmente o pobre povo comum da França, que sempre tem sido doce, humilde e gracioso em todas as coisas, e obsequioso a seu príncipe e senhor natural, ao qual sempre reconheceu, tendo servido e obedecido invariavelmente, sem querer aceitar a dominação de outro príncipe. De tal modo que entre os reis de França e seus súditos sempre houve maiores laços de verdadeiro amor, sincera devoção, afável concórdia e íntimo afeto do que em qualquer outra monarquia ou nação cristã.

"Esse amor, devoção e concórdia mantidos entre o rei e seus súditos, sob a crença e amor de Deus (que sempre foi devotamente servido na França), tornou o reino florescente, triunfante, temido, respeitado e estimado por toda a Terra.

"Ora, o verdadeiro meio pelo qual os reis podem e devem perpetuar e aumentar este amor consiste em justiça e paz. Em justiça, fazendo-a conceder e administrar pura, boa, igual e rápida, sem nenhuma acepção de pessoa e sem desconfiança de avareza para os nossos súditos. Em paz fora e dentro do reino, sobretudo na paz interna, fazendo viver o homem de bem sob a ajuda e proteção de seu rei, em boa companhia e amorosa paz comer seu pão e viver repousadamente entre os seus, livres de humilhações e tormentos despropositados. Esta é a maior felicidade, contentamento e riqueza que um rei possa conceder ao seu povo".

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No século XIII o rei passeava a pé nas ruas de Paris, e qualquer pessoa o abordava e lhe falava sem entraves. O florentino Francesco da Barberino relata sua surpresa ao ver Filipe o Belo — cujo poder se fazia sentir até ao fundo da Itália — passear dessa forma em Paris e cumprimentar com simplicidade as pessoas que passavam. E não deixa de comparar essa bonomia com a afetação dos senhores florentinos.

De acordo com o cronista Chastellan, Carlos VII "reservava dias e horas para atender pessoas de todas as condições, e atendia cada um de modo pessoal e diferente".

Os embaixadores venezianos do século XVI constatam, nos seus célebres despachos, que "nenhuma pessoa é excluída da presença do rei, e as pessoas da classe mais baixa penetravam ousadamente no seu salão íntimo. O rei comia diante dos seus súditos, em família, e cada um podia entrar na sala durante a refeição. "Se há um caráter singular nesta monarquia — escreve o próprio Luís XIV — é o acesso livre e fácil dos súditos ao príncipe".

De fato, apesar da multiplicação dos meios de transporte e do prodigioso crescimento em torno da residência real, numa cidade como Paris, vemos o grande rei receber cada semana todos os solicitadores que se apresentavam, tão pobres e mal vestidos como estivessem.

"Fui ao Louvre — escreve Locatelle em 1665 —, onde caminhei com toda liberdade e, transpondo os diversos corpos da guarda, cheguei àquela porta que se abre, o mais das vezes pelo próprio rei, quando alguém nela toca. Basta tocar de leve, e logo se é introduzido. O rei quer que os súditos entrem livremente".

Os acontecimentos que se referiam ao rei e à rainha eram para a França inteira como acontecimentos de família. A casa do rei era propriamente "a casa de França".

As "Lettres d’un Voyageur Anglais sur la France, la Suisse et l’Allemagne" oferecem os mesmos testemunhos. Eis algumas linhas da citação que faz Joseph de Maistre em um dos seus opúsculos:

"O amor e afeição dos franceses pela pessoa dos seus reis é parte essencial e marcante do caráter nacional. A palavra roi provoca no espírito dos franceses idéias de beneficência, de reconhecimento e de amor, ao mesmo tempo que as de poder, grandeza e felicidade. Os franceses acorrem em multidão a Versailles, nos domingos e dias de festa, olhando seu rei com uma avidez sempre nova, e o olham pela vigésima vez com tanto prazer como na primeira. Eles o vêem como seu amigo, protetor e benfeitor".

"Antes da Revolução — diz o General de Marmont — tinha-se pela pessoa do rei um sentimento difícil de definir, um sentimento de devotamento com caráter quase religioso. A palavra roi tinha ainda uma magia e um poder em nada alterados. Esse amor se tornava uma espécie de culto".

Em 1631, um modesto habitante de Puy-Michel (Alpes baixos) dizia aos seus filhos em seu Livre de Raison: "Lembrai-vos de amar com ternura a sagrada pessoa do nosso rei, de lhe ser obedientes, submissos e cheios de respeito por suas ordens". Recomendações semelhantes se encontram em outros Livres de Raison, publicados por Charles de Ribbe. E as divisas das famílias senhoriais freqüentemente exprimem os mesmos sentimentos.

Eles nunca se manifestaram tão ruidosamente quanto por ocasião do nascimento de Luís XVI.

"Os gritos de Vive le Roi!, que começaram às seis horas da manhã, ainda não se haviam interrompido ao pôr do sol. Quando nasceu o Delfim, a alegria da França foi a de uma família. As pessoas paravam umas às outras nas ruas, conversavam sem se conhecerem, e todos os conhecidos se abraçavam" (Campan, I, pp. 89, III, p. 215).

Aulard, historiador oficial da Revolução, forçado pelas realidades que se impuseram à sua atenção, refere-se ao amor dos franceses pelo seu rei e ao seu afeto pela monarquia:

"Os males dos quais as pessoas reclamam, ninguém pensa em atribuí-los à realeza ou ao rei. Em todos os registros, os franceses demonstram um ardente realismo, um ardente devotamento à pessoa de Luís XVI. Sobretudo nos registros do primeiro grau, ou das paróquias, é um grito de confiança, de amor, de gratidão. Nosso bom rei! O rei nosso pai! Eis como se exprimem os operários e os camponeses. A nobreza e o clero, menos acanhadamente entusiastas, se mostram também realistas" (Histoire Politique de la Révolution Française, p. 2).

Mais adiante, acrescenta: "Se bem que o povo começasse a ter um certo sentimento dos seus direitos, longe de pensar em restringir essa onipotência real, é nela que punha toda sua esperança. Um registro dizia que, para se operar o bem, bastava que o rei dissesse: A moi, mon peuple!"

Os mesmos sentimentos permanecem até em plena Revolução. Maurice Talmeyr, na sua brochura "La Franc-Maçonnerie et la Révolution Française", observou:

"Durante dois anos, a Revolução se fez ao grito de Vive le Roi! Depois, a maioria dos arruaceiros — homens e mulheres —, pagos para ultrajar o soberano, se vêem repentinamente empolgados, diante dele, pelo insuperável amor da sua raça pelo descendente dos seus monarcas. Toda a exaltação deles se transforma, em sua presença, em respeito e ternura, como em outubro de 1789". Talmeyr acrescenta outros fatos em confirmação do que diz, e apela para o testemunho de Louis Blanc.

Ele poderia ter também invocado igualmente o de Madame Roland. Testemunha do que se passava diante dos seus olhos, ela escrevia com desespero: "É inacreditável o quanto os funcionários e negociantes são reacionários. Quanto ao povo, está fatigado, acredita que tudo terminou, e volta aos seus trabalhos. Todos os jornais democráticos se irritam com as aclamações que acompanham o rei, cada vez que ele aparece em público".

É bem verdadeira, portanto, a observação de Funck-Brentano: "Nada é mais difícil para um espírito moderno do que compreender o que eram, na antiga França, a personalidade real e os sentimentos pelos quais os súditos lhe estavam unidos". Dizia-se comumente que o rei era o pai de seus súditos. Estas palavras correspondem a um sentimento real e concreto, tanto da parte do soberano como da nação. La Bruyère, que põe sempre tanta precisão no que diz, afirma: "Chamar o rei de pai do povo é menos um elogio do que uma definição". E Tocqueville afirma: "A nação tinha pelo rei, ao mesmo tempo, a ternura que se tem por um pai e o respeito que só se deve a Deus".

"A França é apaixonadamente monarquista", disse Mirabeau. E Michelet: "Das entranhas da França sai um grito terno e profundo: Mon roi!

"O regime monárquico — diz Augustin Thierry —, a nação não o havia apenas suportado, ela o quisera resolutamente e com perseverança. Ele não se baseava na força nem na fraude, mas era aceito pela consciência de todos" (Essai sur la Formation du Tiers-Etat, p. 89).

Também não se pode dizer que a nação tenha desejado livrar-se dele. A multidão de abstenções nas eleições de todo o período revolucionário, em que apenas dez mil eleitores votaram, entre cem mil inscritos, mostra bem que a parte da nação verdadeiramente favorável à substituição do regime monárquico pelo republicano foi insignificante. Sabe-se, além disso, que não houve maioria de votos na Convenção, para a condenação de Luís XVI à morte. Um dos votantes não tinha completado vinte e cinco anos, outro não era francês, cinco outros não eram autorizados ou inscritos, além de sete deputados que votaram duas vezes, uma por si mesmos e outra como suplentes de seus colegas. Em vez de maioria, o veredicto teve uma minoria de treze votos.9

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9 - Após a data fatal de 21 de janeiro de 1793, não há nenhum de nossos reveses nacionais que não tenha selado alguma ruína, senão definitiva, pelo menos muito durável, pois a perda subsistiu até nós. E nenhum sucesso, nenhuma glória, nenhuma conquista, nenhuma bonança nacional que não tenha tido as conseqüências mais dolorosas. A galeria dos nossos reis representa a mais admirável continuidade de um crescimento histórico, e o assassinato de um deles dá o sinal dos movimentos inversos que, apesar do grande número das compensações provisórias, tomam em conjunto a forma de um retrocesso. Para o progresso social, como para os costumes, a ordem política, a extensão territorial ou o número dos habitantes, comparado tudo aos dos outros países da Europa, a França caiu abaixo do que era em 1793. Primeiro fato! Segundo fato: Apesar dos seus recursos admiráveis e meios incomparáveis, a França tende a perseverar na queda, em razão dos próprios princípios que a levaram, há 116 anos, ao seu regicídio.

É verdade, portanto, que decapitando seu rei a França cometeu um suicídio.

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Escrevendo sobre a função da realeza francesa, na "Reforma Social", de 1º de novembro de 1904, Funck-Brentano afirmou: "Originariamente pai de família, o rei morava na alma popular, vagamente e sem que ela disso se apercebesse, como o pai junto ao qual se vai procurar apoio e abrigo. Para ele, ao longo dos séculos, se voltaram instintivamente os olhares em caso de desgraça ou necessidade. E eis que, bruscamente, essa grande autoridade paterna é deposta. No meio do povo francês, isto é um incômodo, um terror vago, inconsciente. Oh! os rumores sinistros! Eis os brigands! E o nosso pai, que não está mais lá! A grande peur é a última página da história da realeza na França. Nada de mais tocante, de mais glorioso para ela, pois em nada aparece melhor o caráter das relações que tradicionalmente, instintivamente, se estabeleceram entre o rei e o país".

É ao espírito familiar da monarquia que a França deveu em grande parte sua prosperidade. E essa prosperidade foi tal que a França era, sem contestação, a primeira nação da Europa. O grande orador inglês Fox o reconhecia, não sem amargor, na Câmara dos Comuns, em 1787:

"De São Petersburgo a Lisboa, se excetuarmos a corte de Viena, a influência da França predomina em todos os Gabinetes da Europa. O Gabinete de Versailles apresenta ao mundo o paradoxo mais incompreensível: é o mais estável, o mais constante e o mais inflexível que há na Europa. Durante vários séculos ele mantém o mesmo sistema invariavelmente, e no entanto a nação francesa era tida como a mais inconseqüente da Europa".

Com efeito, toda sociedade que conserva o espírito familiar prospera por assim dizer necessariamente, pelo fato de permanecer submissa à lei da natureza. "Nada na História — diz Funck-Brentano — jamais negou esta lei geral: Enquanto uma nação se governa de acordo com os princípios constitutivos da família, ela floresce; a partir do dia em que se afasta dessas tradições que a criaram, a ruína está próxima. Aquilo que serve para fundar as nações serve também para sustentá-las".

Edmond Burke, nas suas "Réflexions sur la Révolution de France", dirigiu aos franceses de 1789 estas sábias palavras, que eles não escutaram: "Quereis corrigir os abusos do vosso governo. Mas por que criar um novo? Por que não voltais às vossas antigas tradições?

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